*Por Carolina Hofmann Vareli
Com o surto da epidemia de coronavírus (COVID-19) estamos vivenciando muitas restrições governamentais sobre viagens, retorno ao trabalho, abertura de empresas, etc. Diante de tais restrições, pessoas físicas ou jurídicas (não importando o seu tamanho), poderão enfrentar dificuldades no cumprimento ou para a execução de contratos.
Considerando esse contexto, e ainda, a vigência do Decreto do Senado Federal reconhecendo o Estado de Calamidade Pública até 31/12/2020, elencamos algumas ferramentas legais disponíveis para as pessoas físicas e empresas em dificuldade para mitigar seus encargos e riscos. Iniciando pelos institutos do Caso Fortuito ou Força Maior, com mais item a serem incluídos nos próximos dias.
1. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR.
A pandemia do COVID-19 já está sendo considerada como um evento de força maior. Isso se verifica através das inúmeras medidas emergenciais editadas pelo Governo, a fim de amenizar o impacto nas relações contratuais em todo o país. E também pela interpretação da pandemia como fato impossível de evitar ou impedir (CCB/2002, Artigo 393, Parágrafo único).
Quais as consequências da Pandemia nos contratos vigentes?
O Código Civil Brasileiro prescreve que, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.[1]
Ou seja, qualquer pessoa física ou empresa que enfrentar dificuldades para cumprir suas obrigações contratuais em virtude da pandemia, ou ainda em razão das contingências governamentais contra o COVID-19, está amparado pela legislação. Desse modo, com a devida justificativa, não precisará arcar com os prejuízos da parte contrária e com os encargos oriundos da demora no cumprimento da obrigação.
Mas atenção! O caso fortuito e força maior não beneficiarão devedor que, expressamente, tenha se responsabilizado por eventos imprevisíveis.
Igualmente, é importante observar a data de celebração do contrato e a data em que a obrigação foi descumprida, além da sua relação com a pandemia COVID-19.
Caso durante a pandemia se torne impossível cumprir a prestação, mas o devedor já estivesse em atraso com suas obrigações por outros motivos em momento anterior, como regra ele deverá responder pela mora.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), por sua vez, não prevê o caso fortuito e a força maior como hipóteses de exclusão da responsabilidade civil. Todavia, comprovada relação de causa e efeito entre pandemia do COVID-19 e o descumprimento de uma obrigação pelo fornecedor, restará caracterizada excludente de responsabilidade, capaz de afastar o dever de indenizar, ante a imprevisibilidade dos efeitos do fato.
Um exemplo bem recorrente do reconhecimento de força maior nos contratos de consumo está no cancelamento de viagens programadas entre passageiros e companhias aéreas. Em tais situações, os tribunais brasileiros vêm excluindo a responsabilização do transportador aéreo pelos danos causados a passageiros por cancelamento de viagem programada[2].
No caso da pandemia COVID-19, o Governo Federal editou a Medida Provisória n. 925/2020, dando ao consumidor que desistir de uma viagem programada, o direito ao reembolso do valor referente à compra da passagem aérea em até doze meses, observando a regulamentação vigente.
Se o consumidor aceitar, como forma de reembolso, um crédito da companhia aérea para utilizar no prazo de doze meses, também ficará isento de multas e outras penalidades contratuais.
1.1. Caso fortuito e força maior nas obrigações de meio e resultado.
Na falta de uma calamidade de maiores proporções como o CIVID 19, cita-se como exemplo, um caso em que houve quebra de contrato em razão de vendaval e fortes chuvas no interior do Rio Grande do Sul. Neste caso, a transportadora que deixou de cumprir obrigação contratual teve sua responsabilidade afastada diante do reconhecimento de caso fortuito ou força maior, vejamos:
“A transportadora não pode ser responsabilizada por algo que está além das suas forças, ou seja, um fato imprevisível e que não tinha como prever e evitar, ainda que empregasse qualquer ação ou reação para tanto. Destarte, resta afastada a obrigação de indenizar quando se está diante de caso fortuito ou força maior, pois incide no caso ora analisado o previsto no art. 393, do Código Civil. Hipótese dos autos em que o infortúnio se deu em razão de vendaval e fortes chuvas que atingiram a região de Santana do Livramento. Fato devidamente comprovado e com grande repercussão em mídia nacional.” (TJ-RS – AC: 70080640667 RS, Relator: Guinther Spode, Data de Julgamento: 03/04/2019, Décima Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/04/2019).
Dessa forma, por analogia ao caso citado, podemos considerar a Pandemia do COVID-19 como caso de excludente de responsabilidade civil que não pode ser afastada, guardadas as proporções e especificidades de cada caso.
1.2. Caso fortuito e Força Maior nos contratos de locação.
Em virtude das contingências públicas o locatário esteve ou estará privado de utilizar o estabelecimento comercial. Quando não, será compelido por decretos governamentais a operar com capacidade limitada (número de clientes reduzidos, horários diferenciados, etc.). Isso, com certeza, impedirá o comerciante de exercer com plenitude sua atividade empresarial e de obter a receita necessária para honrar contratos com a cadeia de fornecedores.
Conforme mencionado, a Pandemia do COVID-19 caracteriza um evento de força maior, se tratando de uma alteração imprevisível no curso de todo e qualquer contrato. Com o contrato de locação não é diferente.
Por isso, comprovado que houve desequilíbrio entre as prestações, baixa de clientela, ou mesmo supressão de receita em virtude das medidas contingenciais, o locatário poderá pleitear a revisão do contrato, por aplicação da teoria da imprevisão (art. 317 do Código Civil).
2. Conclusão (Parte 1)
Por fim, não resta dúvidas de que o impacto causado pelo coronavírus irá afetar milhares de contratos vigentes em todo Brasil, podendo inclusive causar o colapso ou a falência de muitas empresas.
Por essa razão, aconselha-se que as partes prezem pela manutenção dos princípios da boa-fé, probidade e cooperação, considerando a repactuação de contratos, redação de aditivos contratuais, ou mesmo exclusão de cláusulas específicas a fim de preservar as relações negociais e minimizar os danos econômicos causados pela Pandemia do COVID-19.
Importa destacar que o ordenamento jurídico brasileiro prioriza a manutenção da relação contratual e que cada modalidade de contrato possui características específicas, devendo-se observar sobretudo o que foi pactuado pelas partes (pacta sunt servanda).
Qualquer dúvida relativa a contratos, contate o escritório através do e-mail contato@advferreiraleite.com, ou ainda whatsapp (46) 99107 0434
Escrito em 30 de março de 2020.
CAROLINA HOFMANN VARELI
OAB/PR 97.334
[1] – Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
[2] – (TJ-MG – AC: 10439160039731001 MG, Relator: Maurílio Gabriel, Data de Julgamento: 21/09/2017, Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 29/09/2017)