MP 871/2019 – Prevenção contra fraudes ou Perversão do Serviço Público?
A Medida Provisória n. 871/2019 assinada na última sexta-feira (18) pelo Presidente Jair Bolsonaro instituiu um complexo programa de “prevenção” de fraudes contra a Previdência Social.
E como forma de incentivar os servidores do INSS a trabalharem além da jornada regular, o governo tirou da cartola um método no mínimo controverso: o pagamento de bônus por desempenho para analistas, técnicos e peritos que concluírem revisões de benefícios.
O que isso significa na prática?
A MP institui um sistema fordista de corte de benefícios.
Eficaz no setor privado, o pagamento de recompensas, é contraprodutivo e anti-republicano, quando praticado pelo setor público, pois perverte os princípios basilares da administração, que exigem do servidor impessoalidade e eficiência, sem objetivar o lucro.
A MP 871/2019, sem duvidas, viola essas premissas.
Confundindo o imperativo de eficiência com meritocracia, ela transmuta a relação entre os Servidores e a União a um vínculo meramente mercantil, pagando mais para quem trabalha mais. Premiando aqueles que melhor se adequam à proposta do governo, ainda que isso signifique tirar o pão da boca do idoso, interromper o tratamento de quem tem câncer, depressão, ou de quem adquiriu uma doença do trabalho.
A política de incentivos financeiros para servidores públicos, embora seja uma anomalia, conforme estudos publicados pela OCDE, não é coisa nova no ordenamento brasileiro.
Já em 1992 o presidente Itamar Franco criou a Retribuição Adicional Variável (RAV) e o pró-labore para aos servidores das Carreiras de Auditoria do Tesouro Nacional e Procuradoria da Fazenda Nacional, respectivamente, bem como a Gratificação de Estímulo à Fiscalização e à Arrecadação (Gefa), quando devida aos Fiscais de Contribuições Previdenciárias.
O sistema teve resultados parcialmente positivos, com o aumento de arrecadação. Porém se transformou em uma verdadeira “corrida pelo ouro”, onde servidores das diferentes entidades se acotovelavam buscando apenas o resultado, não importando quais fossem os meios para alcançá-lo.
Isso ajudou o Brasil?
Basta observar o desmonte do sistema tributário naquele e nos governos seguintes para ver que não.
E na previdência isso vai funcionar?
Tudo indica que não.
Em 2016 a MP 739/2018 inaugurou uma proposta semelhante, pagando uma recompensa aos Peritos do INSS que realizassem exames no chamado “Pente Fino”. O resultado: Milhões de benefícios cessados, o abarrotamento e o esgotamento financeiro da Justiça Federal em todo país, e o reencontro dos aposentados com as filas do SUS.
O que esperar da MP 871/2019?
Podemos esperar um efeito cascata muito maior. Pois o governo Bolsonaro ampliou o sistema anterior criando uma esteira administrativa desenhada para revisar milhões de benefícios em escala industrial.
Nesse cenário, a judicialização das causas previdenciárias triplicará, seja por iniciativa do segurado, buscando repristinar o benefício cortado, seja do INSS cobrando os valores indevidamente recebidos pelos supostos fraudadores. As filas do SUS também aumentarão em razão da necessidade de nova prova de incapacidade, e aumentará o número de pessoas vivendo à margem da sociedade, em virtude das fraturas sociais sentidas pelo corte abrupto de benefícios e de renda.
Não negamos que haja a necessidade de combater a fraude previdenciária. Porém, nos opomos firmemente ao uso do Incentivo financeiro (rewards) aos servidores do INSS e Peritos. Sobretudo quando o que está em jogo são direitos sociais, cujo acesso ainda é difícil para grande parte da população brasileira.
Neste momento de perplexidade a paridade de armas, a ampla defesa e o contraditório devem ser assegurados, em todos os níveis, para que não sejam cometidas arbitrariedades. Lembrando que um governo é passageiro, mas a previdência é do contribuinte e pretende ser duradoura.
Pedro H. Ferreira Leite é advogado especialista em direito Previdenciário.